“The Lodge” conta a história de um pai que deixa seus filhos e sua namorada atual em um chalé isolado para eles se conhecerem melhor. Mas as coisas não vão sair como ele tinha planejado.

Mais um bom terror dramático

“The Lodge” é mais um exemplar do cinema de terror psicológico dramático que vem ganhando visibilidade no cinema independente e alguns chamam de pós-terror (termo que abomino por demonstrar um desconhecimento total da história do gênero). E, ainda que não seja tão bom quanto “Hereditário”, “A Bruxa”, “Ao Cair da Noite”, “O Farol”, entre outras obras com essas características, o novo longa de Veroniza Franz e Severin Fiala, que conceberam o excelente “Boa Noite, Mamãe”, é um dos melhores filmes a estrear no circuito comercial em 2020 (chegou direto para aluguel nos Estados Unidos).

O longa abre com a câmera passeando por dentro de uma casa de bonecas escura e de madeira e, com um movimento suave, sai do local para mostrar onde aquilo está inserido, em um ambiente muito maior e com predomínio total do branco. Então, logo na primeira sequência, a obra nos dá uma dica do que está por vir (recurso semelhante ao usado em filmes do Ari Aster), já que o que testemunharemos é justamente um pequeno chalé de madeira cercado por uma imensidão branca de neve. Além disso, em uma das cenas seguintes, o pai dos garotos coloca uma pastilha efervescente na água enquanto conversa com a ex-esposa. Essa é a segunda dica do que vamos presenciar, a calma que vai dando espaço a um clima fervente.

Dessa forma, a fotografia ilustra todo esse clima por meio do contraste constante. Ora presenciamos um ambiente escuro com apenas um foco de luz, ora vemos o pequeno chalé dominado pela neve infinita que o cerca. O mesmo acontece com a montagem que em alguns momentos demora a cortar e deixa a câmera passear pelo ambiente, enquanto em outros instantes aposta em seguidos closes e planos-detalhe.

the lodge

Atmosfera x terror visual

Assim os diretores nos conduzem lentamente por uma história que não tem pressa alguma para chegar ao seu clímax. O foco está na atmosfera e na construção de sua protagonista, pois o terror visual tarda muito a aparecer. É quase como se o longa testasse constantemente nossa paciência, sempre criando sugestões que parecem não serem resolvidas de fato. E é por meio dessa dúvida que o filme ganhar força em seu segundo ato. Nós nem sequer sabemos quem é bom ou ruim dentro daquele chalé. Ora somos levados a acreditar que os meninos estão perturbando a madrasta, ora pensamos que ela está fora de controle e a vida dos irmãos está em risco.

E a direção cria essa dinâmica de forma muito inteligente, sempre os planos são compostos colocando os irmãos juntos e a madrasta separada. A divisão é clara, nós só não sabemos exatamente em quem devemos confiar. Não à toa, revisando minhas anotações me deparei com tópicos como “qual é o real perigo?” e “para quem torcer?”. O único que sabemos é que o perigo está ali em algum lugar, como os pequenos pontos vermelhos que aparecem no plano em objetos específicos durante quase todo o longa.

Essa sugestão é ainda reforçada com a trilha sonora, que estica as notas dos instrumentos de corda, combinada aos constantes silêncios desconfortáveis. Destaque também para a câmera que passeia pela casa e, ao mesmo tempo que conhecemos a geografia do local não sabemos o que vamos encontrar em cada novo cômodo que adentramos. Tudo isso sem apelar para enquadramentos mais fechados, o filme não tem medo de apostar em uma grande profundidade de campo com uso constante da grande angular em planos mais estáticos.

Então, ainda que o longa dê um grande espaço para a construção dramática de seus personagens, o público passa quase toda a projeção sem uma visão ampla de quem realmente são aquelas pessoas. Porém o pouco que conhecemos deles é suficiente para despertar nosso interesse e manter uma atmosfera incerta e angustiante. Muito é dito nas entrelinhas e em reações dos personagens, o que torna a instabilidade do local muito mais visual do que dita, visto que são raros os momentos em que os três entram em confronto.

Temática e clímax

Entretanto, o longa não é apenas sobre a loucura de três pessoas em um local isolado. O luto é o foco da trama, quase sempre se apoiando em simbolismos religiosos. E o filme não tem nenhum medo de mostrar o seu subtexto, ele revela logo em seu primeiro ato que a protagonista foi a única sobrevivente de um suicídio em massa no culto em que frequentava. Além disso, é incisivo ao demonstrar sua inquietação na presença de um quadro ou ao ouvir os meninos orando antes do jantar.

Porém, o longa acaba por perder ainda mais a sutileza com o decorrer da projeção, chegando ao ponto de um personagem verbalizar “estamos presos no purgatório” pouco depois de falar que eles estavam presos naquele local.

E é se apoiando nessas questões que o filme constrói o seu clímax. Apesar de tenso por meio de um uso inteligente da montagem paralela, uma última reviravolta enfraquece um pouco a obra tematicamente. É quase como se os diretores não resistissem a tentação de chocar o público mais uma vez.

E, de certa forma, esse é mais um dos muitos recursos visuais e narrativos em que a dupla de diretores se inspira em “Hereditário”. Apesar de diferentes entre si, algumas semelhanças mais óbvias me tiraram um pouco do filme em diversos momentos. Mas nada que impeça “The Lodge”, de ser uma ótima obra de gênero em um ano com pouquíssimos filmes novos.

Nota: 7.5

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: The Lodge
Data de lançamento: 07 de fevereiro de 2020 (1h 48min) – apenas nos EUA
Direção: Veroniza Franz e Severin Fiala
Elenco: Riley Keough, Jaeden Martell, Lia McHugh mais
Gêneros: Terror, Drama
Nacionalidade: EUA