“O Diabo de Cada Dia” adapta o livro “The Devil All The Time” e se passa em duas cidades interioranas dos Estados Unidos durante as décadas de 1950 e 1960. O filme acompanha diversas histórias permeadas de fé, ódio e sangue que se interligam.

O longa está disponível na Netflix.

Ódio, fé e hipocrisia

“O Diabo de Cada Dia” abre com um longo primeiro ato, que mais parece um prólogo de 40 minutos. Marcado por uma narração em off quase divina, que tudo sabe e tudo vê (e não corresponde a nenhum dos personagens), o filme sugere o protagonismo para Willard (Bill Skarsgard), um veterano de guerra que volta para sua cidade natal, conhece uma moça e se muda após o casamento para outra cidade interiorana (é aqui que começa essa conexão maligna entre as duas cidades).

Ironicamente, o diretor Antonio Campos nos faz acreditar na possibilidade do amor reformador nesses primeiros minutos, mas logo começa a subverter nossas expectativas e o pessimismo passa a tomar conta da tela. Há um mal impregnado nessas duas cidades que impede a felicidade e a bondade das pessoas (ainda que o segundo não se reflita em todas as personagens). É nesse momento que Willard começa a se revelar e nos mostrar como os dois temas centrais da obra vão se relacionar: a fé religiosa e o ódio. O conflito entre ambos gera também a hipocrisia que se faz presente nessa sociedade, o que fica explícito em duas cenas. Em um momento, ele fala ao filho sobre a necessidade de acreditar em Deus e, em seguida, espanca dois homens até quase a morte. Pouco tempo depois, pede ao filho que reze pela mãe e quando este hesita, o pai utiliza a violência como resposta.

Por mais que o filme relate o horror vivido pelo suposto protagonista durante a guerra, ao nos depararmos com outros personagens, percebemos que o mal parece não ter uma origem real para aquelas pessoas. É quase como uma força opressora que insiste em habitar as duas cidades.

Entretanto, se o primeiro ato já mostra a temática central e apresenta grande parte dos personagens, ele parece incapaz de criar uma conexão com o público. A narração em off, os lentos e contemplativos dollys (câmera se movendo para frente)  e a mudança constante do foco narrativo não permitem que nos aproximemos daqueles personagens. O filme relata acontecimentos e ficamos apenas na posição de observador.

o diabo de cada dia 2

O mal absoluto

Porém, isso começa a mudar com a chegada de Arvin (Tom Holland), filho de Willard e real protagonista do filme, à fase adulta. É a partir dele que o roteiro começa a criar relações mais claras entre as diferentes histórias e personagens. É ele também o único que abdica de sua fé religiosa, resultado de tudo que ele viu e viveu. Todavia, o ódio o persegue, apesar de vermos o bom coração do personagem, o que fica evidente na bela atuação de Holland, que transparece esse conflito interno entre o bem e o mau. Mais uma vez a maldade parece brotar do local em que vive e a única escapatória parece ser fugir dali.

Com o protagonista e a temática estabelecidos, os personagens secundários passam a ganhar camadas. Todos se relacionam com a fé de alguma forma, seja ela religiosa e seguida como um “bom cristão”, cega e destrutiva, incompreensível ou até mesmo uma muleta para a maldade.  E é essa relação entre fé e ódio que constrói o rastro de sangue que interliga as diferentes histórias, começando como uma herança das gerações anteriores e ganhando forma na vida do protagonista.

Retratados como um mal inexplicável, os personagens de Robert Pattinson e Jason Clarke surgem como provações de libertação para o protagonista. Já o de Sebastian Stan, que parece mais corrompido do que como propriamente mal, é o último teste antes do afastamento de Arvin daquelas cidades malignas. Não deixa de ser curioso como a única forma de vencer esse mal é cometendo maldade.

E vale um destaque especial para todas as atuações, sobretudo Holland e Pattinson. O trabalho de voz, pausa e criação de sotaque de todo o elenco é fascinante. É um filme que precisa ser conferido no idioma original.

Nota: 7.5

Assista abaixo à crítica em vídeo que eu fiz do filme em meu canal, o 16mm.

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: The Devil All The Time (O Diabo de Cada Dia)
Data de lançamento: 16 de setembro de 2020
Direção: Antonio Campos
Elenco: Tom Holland, Robert Pattinson, Bill Skarsgard mais
Gêneros: Drama, Thriller Psicológico
Nacionalidade: EUA