“Cidade Pássaro” conta a história de Amadi, um nigeriano que vem a São Paulo procurar seu irmão Ikena, que parou de dar notícias. Durante a busca, o protagonista vai conhecer e se relacionar tanto com a cidade quanto com as pessoas que passaram pela vida do irmão.

O filme fez parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e integrou o Festival de Berlim 2020.

As barreiras sociais

Em sua estreia em longas ficcionais, Matias Mariani cria uma São Paulo opressiva e intimidadora, assim como a sua população recebe aos estrangeiros. Na verdade, podemos ver “Cidade Pássaro” em um contexto mais geral, como a sociedade cria barreiras que impedem a harmonização entre diferentes povos e culturas, ou até mesmo a convivência entre pessoas do mesmo local, mas com condições financeiras ou cor de pele diferentes.

Mariani é inteligente ao conduzir sua narrativa a partir do ponto de vista de Amadi, o estrangeiro que procura o irmão em uma das maiores e mais populosas cidades do mundo. Além disso, o protagonista não fala português, criando assim outra barreira social que dificulta ainda mais sua busca. Assim, desde os primeiros minutos o público é capaz de simpatizar com a interessante jornada desse personagem. Isso só é reforçado pela bela atuação do muito carismático OC Ukeje.

E essa proximidade por aquele em situação difícil que luta por um objetivo justo se torna ainda maior com a criação dessa São Paulo. Por mais que o longa tenha sido filmado na cidade e não tenha nenhum efeito digital, a câmera de Mariani, quase sempre posicionando os personagens no canto inferior da tela e deslocados para as bordas do quadro, os altos prédios vistos debaixo, o enclausuramento causado pela proporção 4:3 e o predomínio do cinza, fazem com que o ambiente se imponha sobre Amadi. Ele se torna um pontinho inexpressivo, porém obstinado, naquele mar inóspito.

Critica Cidade Passaro 44a Mostra de SP 2

É bem verdade que o diretor (que é também um dos seis roteiristas do longa) tem uma visão parcialmente otimista sobre a possibilidade de quebrar tais barreiras. Então, Amadi passa a trilhar o caminho do irmão e consegue interagir (vale um destaque para como o longa cria essa comunicação) com aqueles que conheceram e se relacionaram com Ikena. Dessa forma, o roteiro espelha as trajetórias dos irmãos, ou melhor, faz com que persistência de um reflita a do outro. Se Ikena busca encontrar uma resposta para os problemas do universo que ajudaria o seu irmão, Amadi iria até o fim do mundo pelo primeiro para restaurar a estrutura de sua família.

Porém, o longa se torna ainda mais interessante ao se permitir pisar no sobrenatural, ainda que sem se entregar completamente ao fictício. Isso fica claro na jornada desses personagens. Seria ilógico Amadi conseguir seguir os passos do irmão, conhecer as mesmas pessoas, se relacionar com elas e principalmente receber o mesmo carinho e interesse de volta, ainda que teoricamente possível. Entretanto, tais dificuldades soam contornáveis graças à ligação quase mística entre os dois personagens, transformando-os em um só ser. Ikena vira Amadi e Amadi se transforma em Ikena. Transformação essa que só se torna possível por causa da relação dramática deles com o ambiente, a mesma São Paulo que cria barreiras é capaz de conectar e amar, um paradoxo que o filme resolve com sutileza e muito coração.

Nota: 9.0

Assista abaixo à crítica em vídeo que eu fiz do filme em meu canal, o 16mm.

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: Cidade Pássaro
Data de lançamento: Disponível online na Mostra de São Paulo
Direção: Mattias Mariani
Elenco: OC Ukeje, Chuk Iwuji, Indira Nascimento
Gêneros: Drama, mistério
Nacionalidade: Brasil